terça-feira, junho 05, 2007

Os arguidos e as autarquias

O Governo anunciou na passada segunda-feira que pretende, em sede de revisão da Lei de Tutela Administrativa, obrigar todos os autarcas que sejam formalmente acusados pelo Ministério Público (MP) da prática de um crime a suspender os respectivos mandatos. Este diploma ainda está em preparação, devendo ser apresentado no inicio da próxima sessão legislativa.
O argumento do Governo é que os autarcas acusados não têm condições para exercer as funções autárquicas.
Portanto, com esta anunciada alteração, a questão dos autarcas arguidos e/ou formalmente acusados em processos crime deixará de ser meramente política, para passar a ser jurídica, já que a suspensão de mandatos se opera automaticamente.
E, por outro lado, também a mera constituição como arguido, deixará de ter qualquer influência (mesmo política!) nos mandatos autárquicos.
Não podemos deixar de assinalar a oportunidade duvidosa deste anúncio, quando se aproximam as eleições autárquicas em Lisboa, à qual concorrem vários candidatos arguidos.
Todavia, trata-se de uma alteração legislativa cuja inconstitucionalidade se pode colocar. Na verdade, o principio da presunção de inocência é, no nosso ordenamento jurídico-penal, uma figura central, tendo, por isso, consagração constitucional. Aliás, o processo penal nasce secreto, não só no interesse da própria investigação mas também, e sobretudo, para preservar a honra de quem é investigado. E até que exista uma decisão judicial condenatória transitada em julgado, isto é, sem qualquer hipótese de recurso, presume-se a inocência dos arguidos. O próprio Procurador Geral da República já afirmou, a próposito deste assunto, que o país está cheio de arguidos inocentes. E também de acusados inocentes, acrescente-se.
Por outro lado, para que esta medida possa sequer ter aplicabilidade prática, será imperativo que se clarifiquem objectivamente (enumerando-se, se possivel!) os tipos de crime que poderão levar à suspensão de mandato e, ainda, as circunstâncias em que os mesmos poderão (ou não) ser praticados pelos autarcas.
Não parece, pois, ser possível aceitar-se que a mera acusação da prática de um qualquer crime menor, ainda que praticado por causa (ou por ocasião) do exercício de funções autárquicas, possa conduzir a uma suspensão de mandato.
Por fim, refira-se que, o MP deverá deduzir uma acusação, sempre que existirem fortes indícios da prática de um qualquer crime e, resta saber, se esses indícios serão suficientes para uma tão pesada sanção para os autarcas. Convém lembrar que independentemente desses indícios, pode perfeitamente, em sede de audiência de julgamento, o arguido ser absolvido, por não se ter provado a prática de qualquer crime. E casos desses acontecem todos os dias.
Na verdade, alterações deste tipo podem abrir caminho a uma submissão do poder político à magistratura do MP, que não é desejável no nosso estado de direito. Ou pior, levar a que o MP tenha sérias reservas em acusar autarcas da prática de crimes que possam implicar suspensão de mandato.


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