Depois de me ter indignado com a recente proposta de lei de alteração ao Codigo Penal em relação aos crimes de furto simples, em post anterior, publiquei n`O Ribatejo (www.oribatejo.pt) um artigo que aqui reproduzo:
A proposta de lei de revisão do Código Penal, actualmente na Assembleia da Republica para discussão na especialidade, prevê que os crimes de furto, entre outros, sejam qualificados como particulares, quando o bem furtado for de valor inferior a €96,00. Em tal caso para agir criminalmente o lesado tem que apresentar queixa e constituir-se assistente, pagando uma taxa de justiça de € 192,00, ou seja, na melhor das hipóteses, o dobro do seu prejuízo.
No Código Penal actual, os referidos crimes já podem ser particulares se, para além do seu valor diminuto, o objecto furtado se destinar à satisfação imediata de uma necessidade própria ou de familiares. O exemplo clássico desta situação é o daquele que furta comida num supermercado para se alimentar ou a um filho, porque tem fome e não tem dinheiro para a adquirir. Não se verificando as duas condições (valor diminuto e satisfação de necessidades próprias ou de familiares), aqueles crimes são semi-publicos, isto é, dependem de queixa, mas o lesado não tem de se constituir assistente para que o processo prossiga e obtenha a indemnização dos prejuízos.
Aquela anunciada alteração tem sido contestada por alguns agentes da justiça, nomeadamente pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que afirma tratar-se de uma descriminalização encapotada.
O Governo argumenta, em comunicado publicado no sítio do Ministério da Justiça, que, na prática, a única alteração significativa é o fim da exigência de verificação cumulativa dos referidos dois requisitos. De resto, é intenção do executivo articular esta medida com a implementação da mediação penal, que pode permitir uma maior eficácia na reparação efectiva do lesado, evitando, assim o julgamento.
Seja como for, parece claro que a alteração visa, desde logo, retirar processos dos tribunais, já que o lesado vai hesitar antes de apresentar queixa, em virtude do pagamento da taxa de justiça a que poderá ficar obrigado, caso o processo não se resolva na mediação.
Alem disso, a convicção de uma certa impunidade relativamente aos aludidos crimes, poderá provocar o seu aumento exponencial. Quem subtraí habitualmente pequenos produtos de um supermercado, poderá ser tentado a fazê-lo com maior frequência se souber de antemão que o pior que lhe pode acontecer, no caso de ser apanhado, é ter de pagar ou devolver o que retirou.
É certo que este tipo de crimes, a que se chama na gíria judiciária bagatelas penais, inundam os tribunais, afectando meios desproporcionados aos valores em causa. Mas, no campo dos princípios, a segurança do património privado e a paz social exigiam mais cuidado nas alterações, que parece não ter havido.
O ministro da Justiça já se mostrou disponível para efectuar alterações à proposta, o que é um sinal positivo. Esperemos que seja possível encontrar uma solução que concilie melhor os interesses dos cidadãos com a inegável necessidade de aliviar os tribunais deste tipo de processos.
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