Tribunal da Boa Hora (ou melhor, Varas Criminais de Lisboa), 14 horas e qualquer coisa.
Lá fora chove, mas não molha...
Depois de muito tempo perdido, de um trabalho imenso de consultas de doutrina e jurisprudência, tinha conseguido a repetição do julgamento de um arguido oficioso, que já tinha sido julgado na sua ausência.
Hoje, ele ali está e com um ar bastante apreensivo...
Pudera, está detido há alguns meses e, agora, depois do julgamento, espera a sentença...
Há pouco, a sua irmã, tinha-me oferecido dinheiro para o livrar do cumprimento de uma pena: Não, minha senhora, nem eu tenho poder para isso, nem sequer posso receber qualquer dinheiro seu. Apenas fiz o meu melhor... O Estado irá pagar-me (não interessa quando!).
O Juiz Presidente lê o acórdão com ar distraído.
Está a dar como provados factos que nunca pensei que fosse possível. Um dos juízes do Colectivo olha para mim, tento fazer um esforço para não mostrar um ar indignado. Lembrei-me de uma colega minha que, a propósito de uma discussão jurídica, dizia: ah pois, se fosse na Boa Hora, logo vias...
Quase no fim, percebo que o homem vai ser libertado. Ele ainda não sabe - não entendeu nada do acórdão, apesar das explicações complementares do juiz.
Respiro de alívio.
A leitura termina e o meu arguido não sabe bem o que fazer, levanto-me, dispo a toga e, depois dos cumprimentos da praxe, vou ao pé dele e pergunto-lhe se percebeu. Responde-me que mais ou menos.
Saímos. Ele ainda vai detido. Explico-lhe que ainda irá detido, mas será libertado, com toda a certeza, ainda hoje. Desenha-se um sorriso imenso na sua face.
Pronto, já-me pagaram...
Digo-lhe que apanhou uma pena suspensa de 4 anos. Que deve, especialmente, portar-se bem nos próximos 4 anos. O guarda que o acompanhava acrescenta que se deve portar bem, mesmo depois desses 4 anos. Não posso estar mais de acordo e digo-o.
Ainda sou brindado com um abraço e com a promessa de que: serei procurado por ele.
Já lá vão 4 meses (e já é a quarta ou quinta vez que ouço isto) e o homem nunca apareceu...
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